Soneto da Rosa

Soneto da Rosa
Vinícius de Moraes

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude

Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza

Soneto a Lasar Segall

Soneto a Lasar Segall
Vinícius de Moraes

De inescrutavelmente no que pintas
Como num amplo espaço de agonias
Imarcescível música de tintas
A arder na lucidez das coisas frias:

Tão patéticas sois, tão sonolentas
Cores que o meu olhar mortificais
Entre verdes crestados e cinzentas
Ferrugens no prelúdio dos metais.

Que segredo recobre a velha pátina
Por onde a luz se filtra quase tímida
Do espaço silencioso que esculpiste

Para pintar sem gritos de escalarte
Na profunda revolta contra o crime
Daqueles que fizeram a vida triste?...

Soneto de um Casamento

Soneto de um Casamento
Vinícius de Moraes

Na sala de luz lívida, sorriam
Sombras imóveis; e outras lacrimosas
Perseguiam lembranças dolorosas
Na exaltação das flores que morriam.

Em vácuos de perfume, descaíam
Diáfanos, de diáfanas mãos piedosas
Fátuos sons de brilhantes que fremiam
Entre a crepitação lenta das rosas.

Nas taças cheias acendiam círios
Votivos, e entre as taças e o lírios
Vozes veladas, nessa mesa posta

Velavam... enquanto plácida e perdida
Irreal e longínqua como a vida
Toda de branco perpassava a Morta

Soneto com Pássaro e Avião

Soneto com Pássaro e Avião
Vinícius de Moraes

Uma coisa é um pássaro que voa.
Outra um avião. Assim, quem o prefere
Não sabe às vezes como o espaço fere
Aquele, um vi morrer, voando à toa

Um dia em Christ Church Meadows, numa antiga
Tarde, reminiscente de Wordsworth...
E tudo o que ficou daquela morte
Foi um baque de plumas, e a cantiga

Interrompida a meio: espasmo? espanto?
Não sei. tomei-o leve em minha mão
Tão pequeno, tão cálido, tão lasso

Em minha mão... Não tinha o peito de amianto.
Não voaria mais, como o avião
Nos longos túneis de cristal do espaço...

Soneto de Vinicius dedicado a Neruda

Soneto de Vinicius dedicado a Neruda
Vinícius de Moraes

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro...
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor - dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor - o amor que hoje encontramos...
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, cantor geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

Poesias Infantis, A Casa

A Casa
Vinícius de Moraes

Era uma casa

Muito engraçada

Não tinha teto

Não tinha nada

Ninguém podia

Entrar nela não

Porque na casa

Não tinha chão

Ninguém podia

Dormir na rede

Porque na casa

Não tinha parede

Ninguém podia

Fazer pipi

Porque penico

Não tinha ali

Mas era feita

Com muito esmero

Na Rua dos Bobos

Número Zero

Poesias Infantis, O Mosquito

O Mosquito
Vinícius de Moraes

O mundo é tão esquisito:

Tem mosquito.


Por que, mosquito, por que

Eu . . . e você?


Você é o inseto

Mais indiscreto

Da Criação

Tocando fino

Seu violino

Na escuridão.


Tudo de mau

Você reúne

Mosquito pau

Que morde e zune.


Você gostaria

De passar o dia

Numa serraria -

Gostaria?


Pois você parece uma serraria!

Poesias Infantis, A Foca

A Foca
Vinícius de Moraes

Quer ver a foca

Ficar feliz?
É por uma bola

No seu nariz.


Quer ver a foca

Bater palminha?
É dar a ela

Uma sardinha.


Quer ver a foca

Fazer uma briga?
É espetar ela

Bem na barriga

Poesias Infantis, As Abelhas

As Abelhas
Vinícius de Moraes

A AAAAAAAbelha mestra

E aaaaaaas abelhinhas

Estão tooooooodas prontinhas

Pra iiiiiiir para a festa.


Num zune que zune

Lá vão pro jardim

Brincar com a cravina

Valsar com o jasmim.


Da rosa pro cravo

Do cravo pra rosa

Da rosa pro favo

Volta pro cravo.


Venham ver como dão mel

As abelhinhas do céu

Poesias Infantis, O Marimbondo

O Marimbondo
Vinícius de Moraes

Marimbondo furibundo

Vai mordendo meio mundo

Cuidado com o marimbondo

Que esse bicho morde fundo!
- Eta bicho danado!


Marimbondô

De chocolat

Saia daqui

Sem me morder

Senão eu dou

Uma paulada

Bem na cabeça

De você.
- Eta bicho danado!


Marimbondo . . . nem te ligo!

Voou e veio me espiar bem na minha cara . . .
- Eta bicho danado!

Poesias Infantis, As Borboletas

As Borboletas
Vinícius de Moraes

Brancas

Azuis

Amarelas

E pretas

Brincam

Na luz

As belas

Borboletas


Borboletas brancas

São alegres e francas.


Borboletas azuis

Gostam muito de luz.


As amarelinhas

São tão bonitinhas!


E as pretas, então . . .

Oh, que escuridão!

Poesias Infantis, O Peru

O Peru
Vinícius de Moraes

Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!


O Peru foi a passeio

Pensando que era pavão

Tico-tico riu-se tanto

Que morreu de congestão.


O Peru dança de roda

Numa roda de carvão

Quando acaba fica tonto

De quase cair no chão.


O Peru se viu um dia

Nas águas do ribeirão

Foi-se olhando foi dizendo

Que beleza de pavão!


Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!

Poesias Infantis, A Cachorrinha

A Cachorrinha
Vinícius de Moraes

Mas que amor de cachorrinha!

Mas que amor de cachorrinha!


Pode haver coisa no mundo

Mais branca, mais bonitinha

Do que a tua barriguinha

Crivada de mamiquinha?

Pode haver coisa no mundo

Mais travessa, mais tontinha

Que esse amor de cachorrinha

Quando vem fazer festinha

Remexendo a traseirinha?

Poesias Infantis, O Leão

O Leão
Vinícius de Moraes

Leão! Leão! Leão!

Rugindo como um trovão

Deu um pulo, e era uma vez

Um cabritinho montês.


Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação!


Tua goela é uma fornalha

Teu salto, uma labareda

Tua garra, uma navalha

Cortando a presa na queda.


Leão longe, leão perto

Nas areias do deserto.

Leão alto, sobranceiro

Junto do despenhadeiro.

Leão na caça diurna

Saindo a correr da furna.

Leão! Leão! Leão!

Foi Deus que te fez ou não?


O salto do tigre é rápido

Como o raio; mas não há

Tigre no mundo que escape

Do salto que o Leão dá.

Não conheço quem defronte

O feroz rinoceronte.

Pois bem, se ele vê o Leão

Foge como um furacão.


Leão se esgueirando, à espera

Da passagem de outra fera . . .

Vem o tigre; como um dardo

Cai-lhe em cima o leopardo

E enquanto brigam, tranqüilo

O leão fica olhando aquilo.

Quando se cansam, o Leão

Mata um com cada mão.


Leão! Leão! Leão!
És o rei da criação!

Poesias Infantis, A Porta

A Porta
Vinícius de Moraes

Eu sou feita de madeira

Madeira, matéria morta

Mas não há coisa no mundo

Mais viva do que uma porta.


Eu abro devagarinho

Pra passar o menininho

Eu abro bem com cuidado

Pra passar o namorado

Eu abro bem prazenteira

Pra passar a cozinheira

Eu abro de sopetão

Pra passar o capitão.


Só não abro pra essa gente

Que diz (a mim bem me importa . . .)

Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.


Eu sou muito inteligente!


Eu fecho a frente da casa

Fecho a frente do quartel

Fecho tudo nesse mundo

Só vivo aberta no céu!

Poesias Infantis, O Elefantinho

O Elefantinho
Vinícius de Moraes

Onde vais, elefantinho

Correndo pelo caminho

Assim tão desconsolado?

Andas perdido, bichinho

Espetaste o pé no espinho

Que sentes, pobre coitado?

- Estou com um medo danado

Encontrei um passarinho!

Poesias Infantis, O Pingüim

O Pingüim
Vinícius de Moraes

Bom-dia, Pingüim

Onde vai assim

Com ar apressado?

Eu não sou malvado

Não fique assustado

Com medo de mim.

Eu só gostaria

De dar um tapinha

No seu chapéu de jaca

Ou bem de levinho

Puxar o rabinho

Da sua casaca

Poesias Infantis, O Relógio

O Relógio
Vinícius de Moraes

Passa, tempo, tic-tac

Tic-tac, passa, hora

Chega logo, tic-tac

Tic-tac, e vai-te embora

Passa, tempo

Bem depressa

Não atrasa

Não demora

Que já estou

Muito cansado

Já perdi

Toda a alegria

De fazer

Meu tic-tac

Dia e noite

Noite e dia

Tic-tac

Tic-tac

Tic-tac . . .

Poesias Infantis, O Girassol

O Girassol
Vinícius de Moraes

Sempre que o sol

Pinta de anil

Todo o céu

O girassol

Fica um gentil

Carrossel.

O girassol é o carrossel das abelhas.

Pretas e vermelhas

Ali ficam elas

Brincando, fedelhas

Nas pétalas amarelas.

- Vamos brincar de carrossel, pessoal?

- "Roda, roda, carrossel

Roda, roda, rodador

Vai rodando, dando mel

Vai rodando, dando flor"


- Marimbondo não pode ir que é bicho mau!


- Besouro é muito pesado!


- Borboleta tem que fingir de borboleta na

entrada!


- Dona Cigarra fica tocando seu realejo!

- "Roda, roda, carrossel

Gira, gira, girassol

Redondinho como o céu

Marelinho como o sol".


E o girassol vai girando dia afora . . .


O girassol é o carrossel das abelhas

Poesias Infantis, Natal

Natal
Vinícius de Moraes

De repente o sol raiou

E o galo cocoricou:
- Cristo nasceu!


O boi, no campo perdido

Soltou um longo mugido:
- Aonde? Aonde?


Com seu balido tremido

Ligeiro diz o cordeiro:
- Em Belém! Em Belém!


Eis senão quando, num zurro

Se ouve a risada do burro:
- Foi sim que eu estava lá!


E o papagaio que é gira

Pôs-se a falar: - É mentira!


Os bichos de pena, em bando

Reclamaram protestando.


O pombal todo arrulhava:
- Cruz credo! Cruz credo!


Brava

A arara a gritar começa:
- Mentira! Arara. Ora essa!
- Cristo nasceu! canta o galo.
- Aonde? pergunta o boi.
- Num estábulo! - o cavalo

Contente rincha onde foi.


Bale o cordeiro também:
- Em Belém! Mé! Em Belém!


E os bichos todos pegaram

O papagaio caturra

E de raiva lhe aplicaram

Uma grandíssima surra

Poesias Infantis, São Francisco

São Francisco
Vinícius de Moraes

Lá vai São Francisco

Pelo caminho

De pé descalço

Tão pobrezinho

Dormindo à noite

Junto ao moinho

Bebendo a água

Do ribeirinho.

Lá vai São Francisco

De pé no chão

Levando nada

No seu surrão

Dizendo ao vento

Bom-dia, amigo

Dizendo ao fogo

Saúde, irmão.

Lá vai São Francisco

Pelo caminho

Levando ao colo

Jesuscristinho

Fazendo festa

No menininho

Contando histórias

Pros passarinhos.